Como vejo a vida após vinte anos de um estupro
Olá
pessoal, tudo bem com vocês?
Esta
é a minha primeira postagem aqui no Memories of the Angel. Sou amiga da Milena
desde há algum tempo e agora estou aqui para trazer a vocês,
contos de minha autoria e também tudo o que me incomoda ou mesmo coisas que
gosto. Portanto, venham a minhas loucuras.
Hoje
eu li um texto a respeito de como foi transar com uma vítima de estupro, veja aqui o texto citado, que me deixou de fato perplexa.
Graças
à última pesquisa do instituto Datafolha, foi constatado que uma em cada três
pessoas culpam a mulher pelo seu próprio estupro. Bom, além disso, ser a nítida
manifestação da falta de instrução e bom senso para com as novas gerações
demonstra o quanto o sexo “frágil” sofre por preconceitos criados até na
bíblia.
Quero
deixar claro aqui que não sou fanática religiosa, praticante de ateísmo ou
feminista, quem me conhece sabe que nem sou a favor de textão, mas isso merece
ser contado.
Usando
de inspiração o texto que li desse rapaz, que transou com uma vítima de
estupro, aproveito para contar uma história que sempre afundei no meu peito,
não por culpa ou medo, HOJE, consigo viver além disso e HOJE sou mãe de uma
linda menina e por Deus, Odin, Ganesha, Obaluaê ou Sonic, não quero que ela
venha a ter experiências semelhantes sequer, ao que vivi e milhares de outras
garotas viveram e vivem.
Sempre
fui menina arteira, gostava de brincar na rua, nunca fiz distinção de gênero,
mesmo com meus pais insistindo que eu não deveria brincar ou ficar sozinha com
garotos.
Tinha
em torno de 9 anos, Gera Samba, hoje chamado de Tchan, uma das falecidas ressurreições
do axé music da Bahia estava em alta. Todas as crianças dançavam, inclusive eu,
e na febre do verão, em todos os aspectos, porque eu morava numa cidade do
interior da Paraíba, a moda era segurar o tchan.
Com
o sucesso, vem a moda, logo, as roupas eram as mesmas usadas por Carla Peres e
companhia.
Na
rua onde morava, viviam várias crianças, rua familiar, estudávamos na mesma
escola. Lá tinha uma garota, que tinha mais três irmãos, todos mais
velhos.
Por
nossas famílias serem amigas, nossos pais costumavam jogar baralho, quase todas
as noites, então, passávamos muito tempo juntas, mesmo até sem a supervisão dos
nossos pais, o lugar o mínimo perigoso possível, carros, era difícil ver algum
passando pela rua; assaltantes, trombadinhas, toda a sorte de tipo de pessoas
nãos os preocupava, afinal, morávamos muro a muro com a delegacia, alguns
metros à frente, corpo de bombeiros. Não havia preocupação. Parecia o lugar
ideal para se criar filhos.
Mas
como toda cidade pequena, boatos correm, e meus pais, logo me proibiram de
ficar na casa dessa amiga, sem que os pais dela também estivessem lá. Mas quem
mesmo dotado de poderes, consegue impedir uma criança – que diga-se de passagem
de gênio nada fácil – de fazer o que ela quer fazer, obvio que comigo não seria
diferente.
Homens
me olhavam e eu não entendia o porquê, hoje entendo que seja por um short
curto, mas quem deveria olhar sexualmente uma criança?! Mas fazer o quê, a
mulher é culpada por ser estuprada, quem a manda andar de roupa curta, decotada
ou transparente, é assim que a sociedade pensa.
Minha
mãe, cuidava da minha irmã pequena na época, recém-nascida, e além de trabalhar
na loja que tinha, sendo o ganha pão, ainda tinha que cuidar da casa, e todos
os afazeres de uma senhora do lar, como prestar atenção a cada passo de uma
menina de 8 ou 9 anos?
Por
fim, o inevitável, certa tarde, fui a casa dessa amiga, mas ela não estava, na
casa somente o irmão mais velho (aquele tal, sobre o qual falavam os boatos) e
alguns amigos. Eu sempre curiosa... Permaneci na casa, não lembro ao certo o
que eu procurava, acredito que fosse um brinquedo...
Ele
me chamou, a casa fechada e escura, me conduziu até o banheiro, e lá, ele
tentou me estuprar. Não posso dizer que ele também sabia o que fazia, no mínimo
devia ser doente. Mas para isso, amigos, sinto muito, não há defesa. Eu era uma
criança.
Eu
o empurrava, mordia, chutava, mas de nada adiantava, tive sorte, pois mesmo eu
sendo menor e mais fraca, minha resistência valeu e não fui penetrada a fundo,
se posso assim dizer. Ele dizia que aquilo era minha culpa, porque
eu o provocava, me insinuava... Gente eu tinha menos de 10 anos de idade, como
uma criança nessa idade sabe provocar.
Quando
ele gozou em mim, sujando o meu short do É o Tchan, sai correndo chorando de
volta pra casa, quando ele me pegou pelo braço e da forma mais amedrontadora
disse: - se você contar pra alguém eu seria a culpada, ninguém acreditaria e
mim.
Mas
não bastava isso, ele teve que contar para os irmãos, para os amigos, e ali, na
rua, onde costumava brincar, ouvia os meninos mais velhos (entenda entre 16 a
18 anos) gritando a pleno pulmão: - estuprada!
Eu
não entendia nada daquilo, mas tinha medo de que meus pais soubessem e me
castigassem, porque eu havia provocado aquilo! Somente uma criança poderia
pensar assim.
Quando
os outros “amigos” de bairro se aproximavam, eles diziam, se ele pode, eu
também posso e começavam a me tocar, sem saber me defender eu corria, fugia e
me escondia.
Mudamos
de cidade, e eu escondi isso de todas as pessoas, escondi de mim, mas hoje,
vendo no que o mundo está se transformando, vendo uma população que considera
uma vítima culpada, temo pelo futuro, temo pela minha filha, temo por minha prisão
por homicídio se acontecer algo com ela.
A
cultura do estupro não está na cabeça do homem, mas na da sociedade, existem homens
e mulheres com esse pensamento arcaico, mulher submissa está na bíblia, mas é
bem diferente de mulher submetida a qualquer prática, racismo, ou sexismo.
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