Como vejo a vida após vinte anos de um estupro

21:36 Maya 0 Commentários



Olá pessoal, tudo bem com vocês?

Esta é a minha primeira postagem aqui no Memories of the Angel. Sou amiga da Milena desde há algum tempo e agora estou aqui para trazer a vocês, contos de minha autoria e também tudo o que me incomoda ou mesmo coisas que gosto. Portanto, venham a minhas loucuras.

Hoje eu li um texto a respeito de como foi transar com uma vítima de estupro, veja aqui o texto citado, que me deixou de fato perplexa.

Graças à última pesquisa do instituto Datafolha, foi constatado que uma em cada três pessoas culpam a mulher pelo seu próprio estupro. Bom, além disso, ser a nítida manifestação da falta de instrução e bom senso para com as novas gerações demonstra o quanto o sexo “frágil” sofre por preconceitos criados até na bíblia.

Quero deixar claro aqui que não sou fanática religiosa, praticante de ateísmo ou feminista, quem me conhece sabe que nem sou a favor de textão, mas isso merece ser contado.

Usando de inspiração o texto que li desse rapaz, que transou com uma vítima de estupro, aproveito para contar uma história que sempre afundei no meu peito, não por culpa ou medo, HOJE, consigo viver além disso e HOJE sou mãe de uma linda menina e por Deus, Odin, Ganesha, Obaluaê ou Sonic, não quero que ela venha a ter experiências semelhantes sequer, ao que vivi e milhares de outras garotas viveram e vivem.

Sempre fui menina arteira, gostava de brincar na rua, nunca fiz distinção de gênero, mesmo com meus pais insistindo que eu não deveria brincar ou ficar sozinha com garotos.

Tinha em torno de 9 anos, Gera Samba, hoje chamado de Tchan, uma das falecidas ressurreições do axé music da Bahia estava em alta. Todas as crianças dançavam, inclusive eu, e na febre do verão, em todos os aspectos, porque eu morava numa cidade do interior da Paraíba, a moda era segurar o tchan.

Com o sucesso, vem a moda, logo, as roupas eram as mesmas usadas por Carla Peres e companhia.

Na rua onde morava, viviam várias crianças, rua familiar, estudávamos na mesma escola.  Lá tinha uma garota, que tinha mais três irmãos, todos mais velhos.

Por nossas famílias serem amigas, nossos pais costumavam jogar baralho, quase todas as noites, então, passávamos muito tempo juntas, mesmo até sem a supervisão dos nossos pais, o lugar o mínimo perigoso possível, carros, era difícil ver algum passando pela rua; assaltantes, trombadinhas, toda a sorte de tipo de pessoas nãos os preocupava, afinal, morávamos muro a muro com a delegacia, alguns metros à frente, corpo de bombeiros. Não havia preocupação. Parecia o lugar ideal para se criar filhos.

Mas como toda cidade pequena, boatos correm, e meus pais, logo me proibiram de ficar na casa dessa amiga, sem que os pais dela também estivessem lá. Mas quem mesmo dotado de poderes, consegue impedir uma criança – que diga-se de passagem de gênio nada fácil – de fazer o que ela quer fazer, obvio que comigo não seria diferente.

Homens me olhavam e eu não entendia o porquê, hoje entendo que seja por um short curto, mas quem deveria olhar sexualmente uma criança?! Mas fazer o quê, a mulher é culpada por ser estuprada, quem a manda andar de roupa curta, decotada ou transparente, é assim que a sociedade pensa.

Minha mãe, cuidava da minha irmã pequena na época, recém-nascida, e além de trabalhar na loja que tinha, sendo o ganha pão, ainda tinha que cuidar da casa, e todos os afazeres de uma senhora do lar, como prestar atenção a cada passo de uma menina de 8 ou 9 anos?

Por fim, o inevitável, certa tarde, fui a casa dessa amiga, mas ela não estava, na casa somente o irmão mais velho (aquele tal, sobre o qual falavam os boatos) e alguns amigos. Eu sempre curiosa... Permaneci na casa, não lembro ao certo o que eu procurava, acredito que fosse um brinquedo...

Ele me chamou, a casa fechada e escura, me conduziu até o banheiro, e lá, ele tentou me estuprar. Não posso dizer que ele também sabia o que fazia, no mínimo devia ser doente. Mas para isso, amigos, sinto muito, não há defesa. Eu era uma criança.

Eu o empurrava, mordia, chutava, mas de nada adiantava, tive sorte, pois mesmo eu sendo menor e mais fraca, minha resistência valeu e não fui penetrada a fundo, se posso assim dizer.  Ele dizia que aquilo era minha culpa, porque eu o provocava, me insinuava... Gente eu tinha menos de 10 anos de idade, como uma criança nessa idade sabe provocar.

Quando ele gozou em mim, sujando o meu short do É o Tchan, sai correndo chorando de volta pra casa, quando ele me pegou pelo braço e da forma mais amedrontadora disse: - se você contar pra alguém eu seria a culpada, ninguém acreditaria e mim.

Mas não bastava isso, ele teve que contar para os irmãos, para os amigos, e ali, na rua, onde costumava brincar, ouvia os meninos mais velhos (entenda entre 16 a 18 anos) gritando a pleno pulmão: - estuprada!

Eu não entendia nada daquilo, mas tinha medo de que meus pais soubessem e me castigassem, porque eu havia provocado aquilo! Somente uma criança poderia pensar assim.

Quando os outros “amigos” de bairro se aproximavam, eles diziam, se ele pode, eu também posso e começavam a me tocar, sem saber me defender eu corria, fugia e me escondia.

Mudamos de cidade, e eu escondi isso de todas as pessoas, escondi de mim, mas hoje, vendo no que o mundo está se transformando, vendo uma população que considera uma vítima culpada, temo pelo futuro, temo pela minha filha, temo por minha prisão por homicídio se acontecer algo com ela.

A cultura do estupro não está na cabeça do homem, mas na da sociedade, existem homens e mulheres com esse pensamento arcaico, mulher submissa está na bíblia, mas é bem diferente de mulher submetida a qualquer prática, racismo, ou sexismo.


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